sexta-feira, 22 de julho de 2016

david bowie bowie

sexta-feira, 15 de julho de 2016

pão integral feito no liquidificador

Modo de Preparo

    1. 1Coloque no liquidificador os ingredientes, deixando o fermento e a farinha por último.
    2. 2A farinha de trigo integral é para ser colocada aos poucos, com o liquidificador em funcionamento.
    3. 3Coloque o fermento quando já tiver colocado metade da farinha.
    4. 4Depois, prossiga colocando o restante da farinha.
    5. 5Se o liquidificador tiver dificuldade de trabalhar no início, use uma colher de pau para ajudar a mexer os ingredientes.
    6. 6Bata tudo muito bem.
    7. 7A massa fica bem grudenta e mole, é normal.
    8. 8Unte uma fôrma com azeite e farinha e despeje a massa nela.
    9. 9O próximo passo é deixar a massa descansar em local quente por 20 minutos, cobrindo-a com um paninho levemente úmido.
    10. 10Se estiver frio, aqueça o seu forno, desligue-o e coloque a massa dentro dele para descansar e crescer.
    11. 11Finalizado o tempo de crescimento, é só levar ao forno médio preaquecido para assar.
    12. 12O tempo de cozimento fica em torno de 30 minutos.


Ingredientes

    • 2 copos (200 mL) de farinha de trigo integral
    • 1 copo (200 mL) de água morna
    • Meia colher (sopa) de sal
    • Meia colher (sopa) de açúcar
    • 1 quarto (de um copo de 200 mL, ou seja, 50mL) de azeite extravirgem de oliva
    • 1 colher (sopa) cheia de fermento seco para pão
    • 1 colher (sopa) de linhaça (é opcional)

sexta-feira, 8 de julho de 2016

TDAH and ...

Rodrigo Rezende
Buzina de carro, latido de cachorro, choro de bebê, "Que horas são?", "Rola algo no Facebook?", "Que programa de TV é esse?", "O que tem para comer?", "Por que alguém vai ler esta matéria mesmo?". Apenas 5 minutos sentado em frente ao computador e tudo isso já passou pela minha cabeça. Tudo ao meu redor fala mais alto do que escrever este texto. Fecho a janela, checo o relógio, surfo na net, desligo a tv, como chocolate. Só então consigo voltar para explicar o que você ganha ao continuar lendo esta matéria: uma visão sobre como funciona uma mente inquieta. Nas próximas páginas, você vai enxergar o mundo pelos meus olhos. Bem-vindo ao cérebro TDAH.

A redação da SUPER não é exatamente o lugar mais tranquilo para manter a atenção. Pilhas de livros nas mesas, revistas importadas nas paredes, gente falando ao telefone. Enquanto rabisco caoticamente num bloquinho, o diretor de redação me explica uma pauta: "Quero que você escreva sobre TDAH. Mas em primeira pessoa. Sua experiência pode ser interessante para o leitor". Topo fazer a matéria imediatamente. Marcamos o prazo de um mês para entregar o texto que você lê agora. Prazo real de entrega: dois anos.

Se você tem TDAH, não é difícil se identificar com a história acima. Ela expõe um dos traços mais característicos do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade: dificuldade em gerenciar o tempo. O paciente TDAH também se reconhece facilmente na brincadeira de Douglas Adams, autor do Guia do Mochileiro das Galáxias: "Amo prazos de entrega. Adoro o som que fazem quando passam voando pela minha janela". Quem sofre de TDAH tende a ser tachado de avoado ou incapaz. Mas julgamentos como esses não explicam as nuances da mente TDAH. Eu mesmo, por exemplo, perco as contas de quantas vezes chego atrasado a compromissos e esqueço datas de aniversário. Ao mesmo tempo, tenho a estranha capacidade de ler textos que me interessam por horas a fio nos ambientes mais caóticos possíveis.

É bem provável que você conheça mais pessoas com esse perfil. Estima-se que um em cada 20 adultos apresente sintomas suficientes para ser diagnosticado com TDAH. Um estudo afirma que o impacto da doença na produtividade dos EUA é de US$ 77 bilhões de prejuízo por ano. Uma cifra que ultrapassa a da depressão (US$ 43 bilhões) e a do abuso de drogas (58). Por isso, entender o TDAH é uma tarefa cada vez mais importante. E é isso que eu fiz, procurando alguém que conhece o assunto bem de dentro. Mais exatamente, de dentro de seu próprio cérebro.

Uma pilha de exames com cérebros coloridos. É o que mais chama atenção na mesa da psiquiatra e autora de livros Ana Beatriz Barbosa. Mas não consigo tirar os olhos de um outro objeto: um bloco de anotações. Dentro dele, vejo a prova física do que já sabia antes: não sou o único com problemas de atenção na sala. Os rabiscos caóticos só podem ter vindo de um lugar: outro cérebro TDAH.

Enquanto enche de riscos o seu bloquinho, Ana Beatriz explica o que há de errado em nossas cabeças: "O defeito está numa parte do cérebro chamada lobo frontal, que fica próxima à testa." O lobo frontal é uma espécie de gerente executivo do cérebro. A função dele é coletar informações e enviar ordens em forma de impulsos elétricos para as outras partes do órgão. Mas, como todo bom gerente, exige um pagamento adequado para trabalhar. No caso, o pagamento é em dopamina, uma substância que regula a interação entre neurônios. Sem ela, os neurônios do lobo frontal não conseguem conversar direito. Quando isso acontece, o cérebro começa a funcionar como uma empresa sem CEO: ganha o setor que grita mais alto. Com medo da falência, a empresa cerebral ainda pode tentar criar uma espécie de caixa dois de dopamina. Aí começa uma busca desesperada por tudo que promove a produção do neurotransmissor: açucar, sexo, nicotina, jogo, álcool, drogas ilegais. Não é à toa que 17 a 45% dos adultos com TDAH apresentam problemas com álcool, e que o risco de se viciar em drogas é o dobro para quem tem essa doença.

Mas como diagnosticar alguém assim? "Primeiro, é preciso sorte", diz a psiquiatra. "Pessoas com TDAH muitas vezes não têm ideia de que sofrem de uma doença". Sorte foi exatamente o que levou Ana Beatriz a ser diagnosticada. Atrasada para um curso na Universidade Berkeley (EUA) -"Começava às 8h. Cheguei 9h15."-, foi obrigada a assistir à única palestra disponível no horário. O palestrante era Russell Barkley, um dos pioneiros no estudo do TDAH. Ao ouvir os sintomas da doença, Ana Beatriz não teve dúvidas: "Sou eu!". Logo que a palestra acabou, foi atrás de Barkley e pediu para fazer um teste psicológico. Ele voltou com o resultado positivo. Assim que começou a se tratar para TDAH, Ana Beatriz, que cursou ao mesmo tempo Medicina, Física e Odontologia, conseguiu pisar no freio da mente e seguir uma estrada só: especializou-se em TDAH e hoje é autora de best-sellers sobre o tema.

Homo desatentus
Savana africana, 30 mil a.C. Em um pequeno grupo de Homo sapiens, alguém se esforça para entender a conversa. Não é tarefa fácil. Folhas balançando ao vento, pilhas de ossos ao lado, trilhas de animais no chão. Tudo capta seu olhar. Mas o TDAH pode ter sido uma vantagem para nossos ancestrais. Na luta pela sobrevivência entre caçadores-coletores, levava vantagem quem possuía uma misteriosa habilidade presente no cérebro TDAH: o hiperfoco. Hiperfoco é uma capacidade de superconcentração característica de muitas mentes desatentas. Você já deve ter topado com gente assim: o menino que não para quieto, mas joga 10 horas de videogame, ou a pessoa que não vai à aula, mas passa a tarde tocando violão. Seriam todos descendentes diretos do caçador distraído, mas supereficaz. Para ele, um animal na savana é como um videogame ou um violão: algo que monopoliza o cérebro. Essa capacidade de ver uma presa e apagar o resto do mundo conferiu vantagens evolutivas. E, em tese, possibilitou que os genes do caçador TDAH chegassem até nós. "Estima-se que 80% dos casos de TDAH têm origens genéticas", diz o psiquiatra da New York University Lenard Adler.

Mas voltemos a 2012. Faz 4 horas que escrevo sem parar. Não batuco na mesa, como de costume. Nenhuma janela aberta no navegador. Quem me conhece pode achar que estou possuído. E estou: por uma pílula. O mecanismo exato de funcionamento dos medicamentos para TDAH é desconhecido. Mas os efeitos mentais são bem familiares. Em alguns minutos, o cérebro, que funcionava como um rádio fora de estação, entra em sintonia. E o impossível se torna possível: executar uma só tarefa por vez.

Ritalin, Aderall, Concerta, Venvanse. São algumas das drogas mais eficazes da indústria farmacêutica na guerra contra os problemas de atenção. Mas ainda não dá para afirmar que existem armas de precisão no mercado. É possível, por exemplo, ingerir um medicamento com um alvo em mente e acertar outro: engolir uma pílula com a intenção de escrever um texto e terminar arrumando a gaveta de meias. Muito menos existe uma espécie de bomba atômica contra o TDAH: um medicamento que funcione com 100% dos pacientes. Para tratar o TDAH, ainda é necessário alguém que entenda de estratégia de guerra: um psiquiatra capaz de testar os medicamentos mais adequados a cada caso.

Mas agora a pergunta que realmente interessa: como saber se você tem TDAH? Se você chegou sem interrupções até aqui, a resposta mais provável é não. (Mas pode ser que sim. E você está em hiperfoco agora). A verdade é que só um profissional vai saber responder. Mas, se a resposta for sim, não se desespere. Afinal, um simples TDAH não impediu você de ler este texto até o final, não é mesmo? E nem me impedirá de escrever muitos outros.

Para saber mais
Mentes Inquietas
Ana Beatriz Barbosa, Fontanar, 2009.

http://super.abril.com.br/comportamento/minha-vida-sem-foco

A mulher mais rica do Reino Unido ganhou sua fortuna escrevendo um livro juvenil durante uma crise de depressão, enquanto sustentava sua filha com ajuda do governo. Tinha acabado de perder o emprego e de se divorciar. O maior filósofo do século 20 não passou no vestibulinho do colegial e sofreu bullying na escola por escrever errado, ter péssima memória e não fazer amizades - não se interessava em conviver com pessoas. Humanos também não eram os seres prediletos do mais conhecido intérprete de J. S. Bach, que não tocava para plateias nem deixava que pessoas encostassem nele. E o inventor da lâmpada era tão avoado que foi expulso da escola aos 8 anos e precisou estudar em casa.

J. K. Rowling, Ludwig Wittgenstein, Glenn Gould e Thomas Edison. Essas pessoas atingiram o sucesso não apesar de suas falhas, mas por causa delas. Certos padrões de personalidade e de ânimo considerados até mesmo transtornos mentais foram selecionados ao longo da evolução. Talvez essas adaptações não sejam tão vantajosas hoje quanto na época em que vivíamos fugindo de predadores, lutando com rivais e caçando presas. Mas tais peculiaridades preenchem os buracos criados pela normalidade da maioria das pessoas.

Desatentos conseguem captar ao mesmo tempo vários estímulos do ambiente e, com isso, fazer associações inesperadas, criativas. Outras pessoas não conseguem se interessar pelo que há à sua volta, mas exatamente por isso concentram-se dias a fio num só raciocínio e chegam a conclusões geniais. A ansiedade nos protege de pagar para ver uma ameaça, e a tristeza e o pessimismo nos fazem desistir de ilusões.

Portanto, se você tem amigos esquisitos, sinta-se sortudo. Você se acha meio diferente? Saiba nas próximas páginas por que isso pode ser bom.

DEPRESSÃO

Do ponto de vista clínico, não há nada de bom na depressão. Ela aprisiona no sofrimento pessoas que, paralisadas, não conseguem tomar atitudes que melhorariam sua vida. Isolam-se socialmente e tendem a remoer um problema. Às vezes, até a morte. Mas não. Até ela tem seu lado positivo. Para começar a entender qual é esse lado, temos que responder a uma pergunta: por quê, afinal, a depressão existe? Uma hipótese é a de que, conforme a civilização se desenvolveu, o homem alterou seu ambiente numa velocidade maior do que sua capacidade de adaptar-se a ele. Evoluímos para viver em grupos de 50 a 70 membros seguindo o ciclo do Sol, com a preocupação de obter alimento e procriar. Agora as coisas mudaram um pouco: temos de nos preocupar com contas, imagem, carreira... E muitos planos acabam frustrados - talvez mais do que a cabeça foi feita para aguentar. Pior: temos hábitos sedentários e, graças à luz artificial, fazemos nosso corpo funcionar no tempo do relógio, e não no do Sol. Tudo isso explicaria por que a prevalência da depressão tem aumentado. "É o mesmo que ocorre com nosso sistema cardiovascular, que não evoluiu para dar conta de alimentos gordurosos e pouco exercício", afirma Paul Gilbert, da Universidade de Derby, no Reino Unido.

Mas não é só isso. Outra corrente defende que a depressão existe porque foi talhada pela seleção natural, ou seja: porque oferece vantagens a seus portadores. Segundo o médico Randolph Nesse, da Universidade de Michigan, ela teria a mesma função da dor: garantir nossa sobrevivência diante de um risco. Quando um tecido está prestes a ser lesionado durante alguma atividade física, nossos neurônios transmitem um estímulo que nos impede de seguir além de nossos limites. A depressão funciona da mesma forma - mas, em vez de impedir fisicamente que você assuma um risco, ela atua no ânimo. A euforia e a depressão serviriam para regular nossas ações na busca por um objetivo. Um dos primeiros cientistas a pensar isso como uma adaptação foi o psicólogo americano Eric Klinger. Num artigo de 1975, ele analisou como o humor melhora conforme o progresso na busca de um objetivo. Isso motiva a pessoa a continuar a se esforçar e assumir riscos cada vez maiores. Quando esses esforços começam a falhar, uma piora no ânimo a faz voltar atrás, preservar suas reservas e reconsiderar opções. Essa piora, essa depressão leve, abre espaço para a introspecção e o autoexame necessários para tomar decisões difíceis, como desistir de objetivos inalcançáveis e buscar novas metas. Foi justamente o que observaram pesquisadores da Univerdidade da Colúmbia Britânica, no Canadá. Por 19 meses, eles acompanharam 97 adolescentes, analisando sua capacidade de deixar de lado objetivos muito difíceis (ou inalcançáveis), como virar um músico famoso, e abraçar outras metas, como dar duro para entrar numa boa faculdade. Enquanto isso, os pesquisadores também observaram sintomas de depressão nos voluntários. Conclusão: as pessoas com sintomas de depressão leve conseguiam abrir mão com mais facilidade de objetivos irrealistas. Elas davam menos murro em ponta de faca. E tendiam a sair da adolescência menos machucados, mais felizes, do que os esmurradores de lâminas. 

ANSIEDADE

Você está perdido no meio do nada. E ouve um ruído longínquo de animal. O bicho pode ser um tatu ou uma onça. Se você ficar apavorado e sair correndo até um lugar seguro antes que uma possível onça se aproxime, vai ter gasto 200 calorias em 10 minutos. Se não correr e depois for surpreendido por um leão, perderá seu corpinho inteiro - isto é, 200 mil calorias. Por esse raciocínio frio e puramente matemático, valeria a pena ter um ataque de pânico se a probabilidade de o ruído ser de um leão for maior que 1 em 1 000, conclui Randolph Nesse em sua empreitada em busca das causas evolutivas de transtornos mentais. Isso justifica por que é bom sentir medo mesmo quando a ameaça é pequena. E ansiedade é isto: medo de algo que não é necessariamente real. Mais: tal como o amor, ela é uma emoção. E uma emoção é um padrão de resposta diante de situações que podem trazer riscos ou oportunidades. A paixão ajuda a cortejar um parceiro, a raiva nos afasta de alguém quando desconfiamos que fomos traídos, e a ansiedade nos faz fugir ou lutar quando sentimos ameaçados. E isso acontece sem que pensemos. Quando bate a ansiedade, o fígado começa a liberar glicose, a frequência cardíaca aumenta, menos sangue circula pela pele e mais vai para os músculos. Assim, o corpo fica preparado para reagir - a animais, à altura, a trovões, à escuridão ou ao escrutínio público. E também a coisas mais sutis, como um trabalho insuportável ou um relacionamento falido. Ou seja: a ansiedade também pode funcionar como um alarme para que você mude de vida quando necessário. Um alarme que não temos como fingir não escutar.

PESSIMISMO

Para começar, precisamos de pessimistas por perto. Como diz o psicólogo americano Martin Seligman: "Os visionários, os planejadores, os desenvolvedores, todos eles precisam sonhar com coisas que ainda não existem, explorar fronteiras. Mas, se todas as pessoas forem otimistas, será um desastre", afirma. Qualquer empresa precisa de figuras que joguem a dura realidade sobre os otimistas: tesoureiros, vice-presidentes financeiros, engenheiros de segurança...

Esse realismo é coisa pequena se comparado com o pessimismo do filósofo alemão Arthur Schopenhauer (1788-1860). Para ele, o otimismo é a causa de todo sofrimento existencial. Somos movidos pela vontade - um sentimento que nos leva a agir, assumir riscos e conquistar objetivos. Mas essa vontade é apenas uma parte de um ciclo inescapável de desilusões: dela vamos ao sucesso, então à frustração - e a uma nova vontade.

Mas qual é o remédio, então? Se livrar das vontades e passar o resto da vida na cama sem produzir mais nada? Claro que não. A filosofia do alemão não foi produzida para ser levada ao pé da letra. Mas essa visão seca joga luz no outro lado da moeda do pessimismo: o excesso de otimismo - propagandeado nas últimas décadas por toneladas de livros de autoajuda. O segredo por trás do otimismo exacerbado, do pensamento positivo desvairado, não tem nada de glorioso: ele é uma fonte de ansiedade. É o que concluíram os psicólogos John Lee e Joane Wood, da Universidade de Waterloo, no Canadá. Um estudo deles mostrou que pacientes com autoestima baixa tendem a piorar mais ainda quando são obrigados a pensar positivamente.

Na prática: é como se, ao repetir para si mesmo que você vai conseguir uma promoção no trabalho, por exemplo, isso só servisse para lembrar o quanto você está distante disso. A conclusão dos pesquisadores é que o melhor caminho é entender as razões do seu pessimismo e aí sim tomar providências. E que o pior é enterrar os pensamentos negativos sob uma camada de otimismo artificial. O filósofo britânico Roger Scruton vai além disso. Para ele, há algo pior do que o otimismo puro e simples: o "otimismo inescrupuloso". Aquelas utopias que levam populações inteiras a aceitar falácias e resistir à razão. O maior exemplo disso foi a ascensão do nazismo - um regime terrível, mas essencialmente otimista, tanto que deu origem à Segunda Guerra com a certeza inabalável da vitória. E qual a resposta de Scruton para esse otimismo inescrupuloso? O pessimismo, que, segundo ele, cria leis preparadas para os piores cenários. O melhor jeito de evitar o pior, enfim, é antever o pior.

TIMIDEZ

Escolas valorizam trabalho em grupo. Processos seletivos jogam candidatos em dinâmicas para identificar líderes natos. Empresas colocam seus funcionários em amplos escritórios sem divisórias e colhem ideias em brainstorms com uma dezena de pessoas - vale tudo, menos ter vergonha de falar besteira. Vivemos no mundo dos extrovertidos. Mas há pesquisadores que veem essa valorização do trabalho coletivo e da extroversão como um tiro no pé. "O mundo está desperdiçando o talento das pessoas tímidas", defende Susan Cain em seu livro Quiet (Quieto, sem versão brasileira), que compila estudos sobre o assunto.

Mas como a timidez pode ser positiva, afinal? Para responder a isso, precisamos esclarecer uma coisa - ser introvertido não significa ser fechado ao exterior. Muito pelo contrário. É ser sensível demais a ele. É o que tem demonstrado desde a década de 1960 o psicólogo Jerome Kagan. Em seu estudo mais importante, ele juntou 500 bebês de 4 meses em seu laboratório em Harvard para observar como reagiam quando estimulados com sons, imagens coloridas em movimento e cheiros. Então separou o grupo dos que reagiam muito - 20% deles - e o dos que reagiam pouco - 40%. Suas pesquisas anteriores lhe permitiram predizer o contrário do que a intuição sugere: os muito reativos se tornariam os futuros introvertidos. Aos 2, 4, 7 e 11 anos de idade, essas crianças voltaram ao laboratório de Kagan. As que haviam sido classificadas como muito reativas desenvolveram personalidades sérias, cuidadosas, enquanto as pouco reativas se tornaram mais relaxadas e autoconfiantes - a futura turma do fundão. Isso porque a amídala (estrutura do sistema límbico, responsável por reações instintivas, como apetite, libido e medo) é mais facilmente estimulada em crianças muito reativas. Ou seja, são mais alertas, mais sensíveis a estímulos novos. Suas pupilas se dilatam mais, suas cordas vocais ficam mais tensas, sua saliva tem mais cortisol - um hormônio do estresse - e seu batimento cardíaco se acelera mais. Um pouco de novidade já implica em vontade de se proteger. O lado negativo é que são mais vulneráveis à depressão e à ansiedade. Mas, ao mesmo tempo, podem ser mais empáticas, cuidadosas e cooperativas, desde que se sintam em sua zona de conforto. "Crianças muito reativas podem ter maior probabilidade para se tornar artistas, escritores, cientistas e pensadores, pois sua aversão a estímulos novos as faz passar mais tempo no ambiente familiar - e intelectualmente fértil - de sua própria cabeça", diz Cain. Um introvertido concentra a mente numa só atividade, em vez de dissipar energia em assuntos não relacionados ao trabalho - estudos do programador americano Tom DeMarco com 600 colegas mostram que o que define a produtividade no setor de TI não é o salário nem a experiência, mas o quão isolado é o ambiente de trabalho. A solidão também permite focar-se nas próprias falhas e treinar até chegar à perfeição. É esse tipo de prática que cria grandes atletas e virtuoses musicais.

AUTISMO

Ludwig Wittgenstein, gênio da filosofia, começou a falar só aos 4 anos. Estudou com tutores particulares em sua casa, em Viena, até os 14 anos. Sem conseguir passar no vestibulinho do colegial, foi parar em 1903 na escola técnica de Linz (a mesma de Adolf Hitler, de quem não foi colega, pois o futuro ditador estava dois anos atrasado nos estudos). Mas ele simplesmente não se interessava pelos colegas. A solidão e a dislexia fizeram dele um perfeito alvo de bullying. "Nunca consegui expressar metade do que queria. Na verdade, não mais que um décimo", contou em suas memórias. 

Assim foi o jovem Wittgenstein. Mas sua excentricidade e o fato de ter revolucionado a filosofia no século 20 não são uma contradição, segundo o professor Michael Fitzgerald, do Trinity College, em Dublin. O psiquiatra vê em sua biografia sintomas que caracterizam a síndrome de Asperger - um tipo de autismo que, aliado a um intelecto avantajado, pode ser a base da genialidade.

Todo autista se foca obsessivamente em interesses muito específicos, tem comportamentos repetitivos e não se interessa em interagir com outras pessoas. Mas, enquanto a imagem mais comum é a da criança ensimesmada balançando para a frente e para trás, o espectro do autismo vai desde o atraso mental até o desenvolvimento linguístico e cognitivo completo - caso da síndrome de Asperger. Quem tem essa síndrome não se interessa em dividir experiências e emoções, tem padrões restritos, repetitivos e estereotipados de comportamento e de interesses e não abre mão de sua rotina. Isso torna o convívio difícil - mas pode ter um efeito colateral inesperado. 

"Muitas características da síndrome de Asperger aumentam a criatividade", escreve Fitzgerald em Autism and Creativity (Autismo e Criatividade). "Pessoas assim têm uma capacidade extraordinária para focar-se em um tópico por um longo período - dias, sem interrupção nem mesmo para as refeições. Não desistem diante de obstáculos." E não é apenas a concentração. A forma como entendem o mundo é diferente. Quando veem uma coisa, apreendem o detalhe para então sistematizar como funciona o geral - enquanto a maioria das pessoas apreende o geral para depois se afunilar em detalhes. Isso é um enorme ponto positivo para engenheiros, físicos, matemáticos, músicos.

Não que não haja um lado negativo. Portadores da síndrome de Asperger também têm dificuldade em aceitar e adotar regras sociais. Por isso, muitas vezes parecem ter personalidade infantil. Quando entrou para a faculdade de engenharia, Wittgenstein se fascinou pela obra Os Princípios da Matemática, de Bertrand Russell. Em 1911, mudou-se para a Universidade de Cambridge para estudar com Russell. Nos primeiros dias, chegava à sala do mestre à noite e seguia até a manhãzinha desdobrando suas ideias como que em um monólogo. Em 1926, quando terminou a defesa oral de sua tese de doutorado, deu um tapinha nos ombros dos examinadores. "Não se preocupem. Eu sei que vocês nunca conseguirão entender", disse. Wittgenstein começou então a dar aulas. Em seus seminários, era como se não houvesse uma audiência. Lutava com seus pensamentos e volta e meia caía em silêncios que nenhum estudante ousava interromper. Qualquer comentário que considerasse estúpido era retrucado brutalmente.

Para escrever Investigações Filosóficas, sua maior obra, ficou isolado numa cabana na Irlanda. Certa vez, o caseiro, que o havia visto conversando, perguntou-lhe se tivera uma boa companhia. A resposta foi: "Sim, falei muito com um ótimo amigo - eu mesmo". Numa carta a Bertrand Russell, escreveu: "Estar sozinho me faz um bem infinito, e não acho que agora poderia suportar a vida entre pessoas". O único grande prazer social do filósofo era discutir seus interesses - lógica, linguística e música. O mundo real pouco lhe importava.

O gene da engenharia
Todo engenheiro é um pouco autista. Essa é a conclusão, polêmica, do psiquiatra Simon Baron-Cohen, de Cambridge. Simon buscava identificar se estudantes com sintomas da síndrome de Asperger tinham predisposição a escolher alguma área específica de conhecimento. Fez um levantamento com graduandos de Cambridge e viu que alunos de exatas eram os mais propensos a ter os sintomas. O estudo fez barulho suficiente para que os pais de alunos de Eindhoven, na Holanda, entrassem em contato com ele depois de identificarem uma epidemia de autismo na cidade, conhecida pela concentração de empresas tecnológicas. Baron-Cohen comparou Eindhoven com Haarlem e Utrecht - que têm número semelhante de habitantes - e levantou a porcentagem de pessoas empregadas em tecnologia: 30, 16 e 17%, respectivamente. Depois, pesquisou a prevalência de autismo diagnosticado nas cidades: 229 por 10 mil crianças em Eindhoven, contra 84 e 57 nas outras. Para Baron-Cohen, isso é indício de que regiões onde pais têm empregos relacionados à "sistematização", como o da tecnologia da informação, terão uma taxa de autismo maior em suas crianças. É um resultado polêmico: indica que as pessoas naturalmente mais aptas para as ciências exatas carregam mais genes ligados ao autismo do que a média da população. E mais: é uma evidência de que essa aptidão seja, por si só, uma forma leve de autismo.
Einstein, o autista
O psiquiatra Michael Fitzgerald identificou traços da síndrome de Asperguer, uma forma moderada de autismo, em 42 personalidades históricas. Conheça algumas delas.

ALBERT EINSTEIN
"Meu senso de justiça e de responsabilidade social sempre se contrastou com minha falta de necessidade de contato direto com outras pessoas ou comunidades. Sou de fato um viajante solitário e nunca pertenci a meu país, à minha casa, aos meus amigos ou mesmo à minha família", escreveu o físico nos ensaios Como Vejo o Mundo.

GLENN GOULD
Um dos maiores pianistas do século 20 não deixava ninguém tocá-lo e, quando mais velho, só se comunicava com o resto do mundo por telefone ou por cartas. Aos 32 anos parou de tocar em público e se fechou no estúdio. Afinal, para ele tocar música era um ato tão íntimo que não dava para conciliá-lo com a audiência.

LEWIS CARROLL
O escritor americano Mark Twain chegou a dizer que Carroll, matemático autor de Alice no País das Maravilhas, era interessante "somente para olhar." Era o homem "mais estiloso e mais tímido" que já tinha visto. Não dava autógrafos nem deixava ser retratado - mesmo sendo ele mesmo um fotógrafo amador. "Minha aparência e minha escrita pertencem somente a mim", escreveu em uma carta.
FRACAS

Quando destruímos um relacionamento, somos demitidos ou vivemos qualquer outra grande frustração nessa linha, não tem muito jeito: sentimos não só que um plano deu errado, mas que falhamos como pessoa.

Nossa mente, porém, evoluiu com uma defesa contra isso: ela ignora o que não quer saber. Uma área do cérebro chamada córtex cingulado anterior é ativada quando percebemos que alguma coisa deu errado. É como se fosse o mecanismo do "putz!". Com ele, excitamos mais uma região - o córtex pré-frontral dorso-lateral. Ele é o "censor" da mente, responsável por apagar determinado pensamento.

Esse mecanismo duplo - primeiro o "putz" e depois o "esquece" - permite editar nossa consciência conforme nossa vontade. Assim, conseguimos deixar para trás nossos fracassos.

Isso também acontece com cientistas. No início da década de 1990, Kevin Dunbar começou a observar os laboratórios de bioquímica da Universidade de Stanford. Descobriu que a metade dos dados obtidos nas pesquisas não batia com o que suas respectivas teorias previam. Os resultados às vezes simplesmente não faziam sentido. A reação então era típica: primeiro, os pesquisadores procuravam um bode espiatório - alguma enzima ou máquina devia não ter funcionado direito. Então repetia-se o experimento. Quando o resultado inesperado acontecia de novo, o experimento inteiro era considerado um fracasso e acabava arquivado. O que os pesquisadores não percebiam é que o mecanismo "putz, esquece" de sua mente os cegava. Dunbar então observou grupos de estudo com pesquisadores de diferentes áreas - biólogos, químicos e médicos. O fato de ter pessoas com um olhar de fora fez com que os bioquímicos, em vez de jogar fora o experimento, abrissem os olhos e repensassem suas teorias. Assim puderam reavaliar suas convicções e muitas vezes encontrar o caminho que funcionava. Moral da história: entender o porquê de um fracasso pode ser o melhor atalho para o sucesso.

É mais ou menos o que aconteceu com a britânica Joanne Rowling. Quando era adolescente, tudo o que seus pais esperavam dela era que não fosse pobre como eles. E tudo o que ela queria era ser escritora. Para arranjar um meio-termo entre seu desejo e o dos pais, fez faculdade de letras. Terminados os estudos, sua vida virou uma sucessão de fracassos. Tentou agradar os pais trabalhando num escritório, mas não suportava a chatice do dia a dia. Quando a mãe morreu, mudou-se para Portugal para dar aula de inglês. Em 3 anos, casou-se, teve uma filha e se divorciou. Desempregada e descasada, mudou-se para a Escócia, onde, deprimida, foi viver da ajuda financeira do Estado. Quando Joanne estava no ponto mais fundo de seu fracasso, começou a escrever um livro. Levou um "não" de 8 editoras - até conseguir uma que publicasse seu Harry Potter e a Pedra Filosofal. Adotou o nome artístico de J. K. Rowling e, em 3 anos, se tornaria a mulher mais rica do Reino Unido. E, para ela, o ingrediente de seu sucesso foi o fracasso. "O fracasso significa eliminar tudo o que não for essencial. Parei de fazer de conta para mim mesma que era uma pessoa diferente e comecei a direcionar toda minha energia em terminar o único trabalho que importava para mim", disse a uma plateia de graduandos de Harvard durante uma conferência do TED (instituição que organiza conferências sobre novas ideias). E arrematou: "Me senti liberta, porque meu maior medo já tinha acontecido. E ainda assim eu continuava viva".

DÉFICIT DE ATENÇÃO

De 3 a 5% das crianças em idade escolar são daquelas distraídas e agitadas, que perdem tudo, não conseguem fazer a lição, não esperam sua vez e agem sem pensar. Têm o transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). Quando crescem, os sintomas diminuem, mas os problemas, não. Podem até piorar - afinal, as responsabilidades são outras. O que se esquece não é mais a lição de casa, mas prazos e reuniões. Trabalhos são abandonados pela metade, ordens são ignoradas. A impulsividade pode custar o emprego ou o relacionamento. Por que isso é tão comum? A resposta é semelhante à da ansiedade e da depressão - essa característica já foi uma vantagem adaptativa, até que a cultura e o ambiente mudaram. Em sociedades nômades, quem tem foco de atenção disperso é capaz de cuidar melhor de seu gado, explorar áreas desconhecidas e ficar alerta para ameaças. Dan Eisenberg, da Northwestern University, EUA, observou em tribos africanas nômades e sedentárias. Entre os nômades, os que tinham o alelo 7R (ligado ao TDAH) eram mais bem nutridos do que os sem. Já nas sedentárias, acontecia o contrário. Em outras palavras, conforme o homem se estabeleceu num só lugar e começou a viver de atividades que exigem mais foco, a atenção dispersa virou desvantagem. Mas não tanto. Os mesmos genes que hoje estão associados ao risco são responsáveis por revoluções nas artes, ciência e exploração, acredita o psiquiatra Michael Fitzgerald, do Trinity College. Michael, que já tinha procurado traços de autismo na biografia de personalidades, não demorou para fazer o mesmo com o TDAH. Segundo ele, sintomas de déficit de atenção estão presentes em Thomas Edison, Oscar Wilde, Kurt Cobain (que foi diagnosticado quando criança) e até em Che Guevara. Quem tem a cabeça na Lua pode encontrar lá em cima coisas que pessoas com o pé no chão não veem.
Superávit de criatividade
Quem tem TDAH é ótimo em brainstorms, pois não se sente inibido para dar ideias aparentemente estranhas. As psicólogas americanas Holly White e Priti Shah testaram um grupo de 90 universitários divididos entre os com e os sem TDAH. Elas pediram para que cada grupo propusesse usos para um tijolo e para um balde em 2 minutos. Resultado: os desatentos se deram melhor no número de usos, na diversidade dele e, principalmente, na originalidade. Entre as soluções do grupo com TDAH estavam usar o tijolo para escrever em superfícies como concreto ou o balde como guitarra - se você adicionar cordas e um pau ali. Só faltava verificar isso no mundo real. As pesquisadoras, então, fizeram isso num segundo estudo, de 2011. Deram a 60 universitários um questionário sobre quais seus êxitos em 10 áreas criativas: artes cênicas, humor, música... Os desatentos tiveram níveis mais altos em todas as categorias.
Para saber mais

QUIET
Susan Cain, Ed. Crown, 2012.

THE OPTIMISM BIAS
Tali Sharot, Ed. Random House, 2011
http://super.abril.com.br/comportamento/o-lado-bom-das-coisas-ruins

Os 4 tipos de pessoas com déficit de atenção: qual é o seu?

Os 4 tipos de pessoas com déficit de atenção: qual é o seu?

Transtorno que atinge milhões de pessoas no Brasil nem sempre se manifesta da mesma maneira. Conheça os diferentes perfis de pessoas com TDAH.

O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) é uma condição tremendamente comum: alguns especialistas calculam que ele afete algo entre 3% e 5% das crianças. Os sintomas são sempre iguais: desatenção, hiperatividade, impulsividade. Mas isso não quer dizer que seja fácil identificar alguém que tem TDAH, porque as pessoas que sofrem com o transtorno lidam com ele de maneiras muito diferentes umas das outras.
Segundo o blogueiro Neil Petersen, que tem TDAH e escreve sobre o transtorno no tradicional site Psych Central, isso acontece porque há quatro estratégias bem distintas para lidar com o transtorno - e portanto quatro perfis de pessoas com TDAH, cada um deles definido por uma das quatro estratégias. Você provavelmente conhece alguém de cada um desses tipos. Veja:
  1. O perfeccionista - algumas pessoas tentam compensar o TDAH com uma obsessão por planejar tudo nos mais mínimos detalhes. Chegam meia hora adiantados para não se atrasarem, fazem listas detalhadas de tarefas, criam métodos minuciosos para tudo. Esses aí sofrem com cada tarefa no trabalho, porque vivem com medo de perder o controle.
  2. O improvisador - esses usam uma estratégia praticamente oposta à do perfeccionista: são as pessoas que simplesmente aceitam o caos em suas vidas. Diante da enorme dificuldade de planejar as coisas, eles simplesmente não planejam nada e "deixam rolar".
  3. O minimalista - quem tem TDAH sabe que tentar organizar as coisas é um pesadelo. Por isso, uma estratégia comum para lidar com o problema é simplificar a vida ao máximo. Pessoas desse perfil fazem de tudo para ter o mínimo possível de posses, para que não haja muito o que organizar.
  4. O viciado em adrenalina - pacientes de TDAH muitas vezes percebem que o transtorno fica pior quando eles estão em ambientes pouco desafiadores. Diante da falta de estímulo, a distração toma conta e fica muito difícil fazer qualquer coisa. Por causa disso, alguns começam a buscar estímulos fortes - afinal, a adrenalina ajuda a focar. Esse perfil costuma procurar atividades profissionais e de lazer de alto risco.
"Claro que nem todas as pessoas com TDAH se encaixam perfeitamente em um desses perfis", escreveu Petersen. Uns usam um misto de duas, três ou até de todas essas estratégias e são mais difíceis de encaixar.
E aí? Deu para diagnosticar as pessoas com TDAH em volta de você?

http://super.abril.com.br/ciencia/os-4-tipos-de-pessoas-com-deficit-de-atencao-qual-e-o-seu?utm_source=redesabril_jovem&utm_medium=facebook&utm_campaign=redesabril_super

sexta-feira, 1 de julho de 2016

A pílula da inteligência

"Eu tinha que me preparar para um trabalho e resolvi tomar um comprimido. O resultado foi incrível. Consegui estudar 12 horas sem parar."

"Era uma época agitada na minha vida. Eu fazia faculdade de direito, trabalhava num escritório e ainda estudava para concursos públicos. Comecei a usar um remédio que o neurologista havia receitado para a minha tia. Não tive nenhum efeito colateral e senti um belo aumento na minha concentração. Na época das provas, eu aumentava a dose."

"Fiquei mais inteligente, tudo o que estudo é mais bem aproveitado. Graças ao remédio, passei no vestibular de química e virei um dos melhores alunos da classe. Agora decidi prestar vestibular para economia. Consegui uma bolsa em um cursinho depois de ficar em 1º e 2º lugar em vários simulados. Tenho consciência de que outros estudantes também usam o remédio. Mas espero que ele não se popularize. Afinal, se todo mundo tomar, como vou me destacar?"

Esses relatos são reais. São os depoimentos de Augusto** (26 anos, doutorando, Recife), Henrique (25, advogado, Brasília) e Marcos (21, estudante, Rio de Janeiro). Eles são pessoas normais, sem nenhum problema no cérebro. Mas decidiram tomar medicamentos tarja-preta, desenvolvidos para tratar disfunções neurológicas - mas que, em pessoas saudáveis, podem provocar uma espécie de turbo mental: intensificar a atenção, a concentração, a memória ou certos tipos de raciocínio. Ou simplesmente ajudar a pensar mais, por mais tempo, sem cansar. E quem não quer isso, afinal? Um estudo recém-publicado no jornal científico Nature revela que 25% dos universitários tomam ou tomaram algum tipo de remédio para tentar aumentar seu desempenho cognitivo. E uma nova geração de medicamentos, supostamente mais segura, acendeu de vez o interesse pelas pílulas da inteligência - que cada vez mais médicos, executivos e até cientistas estão tomando. Tanto é que um grupo de neurologistas das Universidades da Califórnia, da Pensilvânia, de Cambridge e Harvard escreveu um manifesto explosivo, que está dividindo a comunidade científica. Ele defende que certos medicamentos, que hoje são tarja-preta (de venda e uso controlados), sejam totalmente liberados - para que todo mundo possa tomá-los e aumentar o próprio QI. "A engenhosidade humana nos deu meios de aprimorar nosso cérebro, com invenções como a escrita, a imprensa e a internet. Essas drogas deveriam ser encaradas da mesma forma: são coisas que a nossa espécie inventou para melhorar a si mesma", afirmam os cientistas. Loucura?

Talvez. Mas a verdade é que a maior parte das pessoas já consome substâncias para turbinar a cabeça. Quando você toma uma xícara de café para ficar mais ligado, está ingerindo cafeína - e, com isso, provocando alterações no próprio cérebro. Se acorda doente e toma um antigripal para trabalhar melhor, idem (vários remédios do tipo contêm um estimulante, fenilefrina). E tudo isso é plenamente aceito pela sociedade. Pode ser que, no futuro, as pílulas da inteligência sejam consideradas tão corriqueiras e inofensivas quanto um cafezinho.


MENOS BARATO E MAIS COGNIÇÃO
Fim dos anos 70. Um laboratório francês começa a procurar soluções para a narcolepsia, um distúrbio que causa sonolência excessiva durante o dia e afeta 0,2 a 0,5% da população mundial. Depois de muitos anos de pesquisa, os cientistas chegam a uma droga promissora, que aparentemente não tem os efeitos colaterais dos outros tratamentos. Ninguém sabe exatamente como ela funciona (parece alterar os níveis de vários neurotransmissores, como dopamina, serotonina e noradrenalina, e com isso facilitar a comunicação entre os neurônios), mas o fato é que funciona. E o melhor: não provoca euforia, não dá barato e não vicia - os grandes problemas dos remédios até então usados para tratar a narcolepsia. O novo medicamento é batizado de modafinil e lançado na França em 1994. Logo atrai o interesse dos militares. O Exército francês, e depois o americano, começaram a testar o remédio. O objetivo não é criar uma safra de guerreiros superinteligentes - é simplesmente evitar que durmam. E funciona. "O modafinil permite que indivíduos saudáveis fiquem acordados por mais de 60 horas, sem efeitos colaterais", conclui um estudo do governo francês. Imagine só. Um soldado que consegue ficar quase três dias sem dormir, sem nenhuma perda de desempenho mental. Ideal para a guerra. E o modafinil foi se espalhando. Hoje, ele é distribuído de forma rotineira aos militares americanos (principalmente pilotos da aeronáutica e soldados que precisam trabalhar durante a noite).

Com tanta popularidade, a droga começa a atrair a atenção dos cientistas civis. Em 2003, pesquisadores da Universidade de Cambridge decidem testar o remédio em 60 voluntários saudáveis e descansados. E descobrem um efeito surpreendente. Sob efeito da droga, eles tiveram desempenho bem melhor em alguns testes cognitivos. Ou seja: tecnicamente, o remédio fez com que os voluntários ficassem mais inteligentes. Eles se sentiram muito bem e não sofreram nenhum efeito colateral. Um remédio seguro, que não tem consequências ruins e melhora o funcionamento do cérebro?

Foi o suficiente para explodir o interesse no modafinil, que começou a ser apresentado pelo fabricante (a empresa americana Cephalon, que comprou o remédio dos cientistas franceses) como uma solução para quem vive cansado e deseja ter mais energia no dia a dia - o laboratório tentou aprovar sua droga até como remédio para jet lag. Essa ofensiva de marketing foi considerada irresponsável pelo governo americano, que aplicou uma multa milionária no laboratório. Mas isso não foi o suficiente para brecar a mania do modafinil, cujas vendas quintuplicaram e bateram em US$ 1 bilhão anuais. E isso só nos EUA, sem contar os outros países (entre eles o Brasil, onde a droga foi lançada este ano).

Apesar de todo esse entusiasmo - ou exatamente por causa dele -, você deve estar se fazendo algumas perguntas. Será que, como acontece em tantos casos que envolvem a indústria farmacêutica, não existe um exagero nisso tudo? Será que, com o uso contínuo, a longo prazo, drogas como o modafinil não podem fazer mal? E será que é uma boa ideia mexer com a química do cérebro? Muitos cientistas têm levantado essas questões, ainda sem respostas definitivas (mais sobre isso daqui a pouco). Quem toma remédios para turbinar a própria cabeça está assumindo um risco sério. Mas não é difícil entender por que cada vez mais pessoas fazem isso. Afinal, a busca por substâncias capazes de nos tornar mais espertos é um sonho que se perde na noite dos tempos. Sem exagero: desde que a civilização existe, tem gente querendo melhorar seu desempenho intelectual.

Veja o caso dos soldados do Império Romano, por exemplo. Eles comiam alho puro, porque acreditavam que lhes dava inspiração (sem falar na prova de coragem que devia ser comer aquilo). Entre outros povos, o costume era beber cerveja - sim, cerveja! - na expectativa de que o álcool conferisse aos soldados a bravura necessária para combater. Conforme a química evoluiu como ciência, as drogas foram se sofisticando. E os intelectuais, caindo nelas. No século 16, o famoso filósofo Francis Bacon admitidamente consumia uma série de produtos - de tabaco a açafrão - na expectativa de tornar sua mente mais afiada. O escritor Honoré de Balzac, no início do século 19, tomava café aos montes para produzir, porque a bebida "afasta o sono e nos dá a capacidade de nos manter por mais tempo no exercício de nosso intelecto". E Sigmund Freud acreditava que a cocaína pudesse ser um poderoso auxílio para a mente. Mas os estimulantes só entraram na era moderna em 1929, quando o químico Gordon Alles introduziu o uso médico das anfetaminas (para tratar asma e bronquite). Na 2a Guerra Mundial, elas já tinham feito a cabeça das pessoas - tanto os nazistas quanto os aliados distribuíam a droga a seus soldados no front. Deve ter sido, além de a mais violenta, a guerra mais insone e neurótica de todos os tempos. Afinal, como você já deve ter ouvido falar, as anfetaminas são estimulantes fortíssimos - e tão viciantes quanto as piores drogas ilegais.

A busca por um turbo mental mais seguro começou a se sofisticar em 1956, quando surgiu o metilfenidato - mais conhecido por seu nome comercial, Ritalin. Esse composto químico é um derivado das anfetaminas, supostamente com efeitos mais leves e controlados. Os cientistas desenvolveram a droga para tratar distúrbio de déficit de atenção, depressão e outras condições médicas. Mas, sem saber, eles estavam lançando a pedra fundamental da indústria das drogas da inteligência - pois haviam criado o primeiro estimulante razoavelmente seguro. Ele não é inofensivo. Na verdade, pode ser muito perigoso (leia mais a seguir). Mas é considerado seguro o bastante para ser receitado a milhões de crianças em todo o mundo - e, até o surgimento do modafinil, era a droga preferida de quem busca turbinar a própria cabeça.


O VIAGRA DO CÉREBRO
Muitos "aprimoradores cerebrais" do passado acabaram se revelando apenas drogas viciantes, que pouco efeito realmente tinham sobre a inteligência. Basta ver os exemplos acima para sacar que, nessa busca desenfreada pelo caminho mais fácil para o desenvolvimento mental, muita besteira foi vendida como panaceia. Então, o que mudou? Muita coisa.

No século 19, Freud tinha de desenvolver suas teorias da mente (com seus acertos e erros) tratando a cachola das pessoas como uma caixa-preta, cujo funcionamento exato era um mistério, imune a qualquer tipo de estudo. Hoje, existem técnicas avançadíssimas de mapeamento cerebral que permitem enxergar o que acontece na cabeça das pessoas, em tempo real, quando elas estão sob efeito de uma determinada droga. Não é à toa que os anos 90 foram batizados de "a década do cérebro". Em alguns casos, a ciência consegue explicar passo a passo as reações moleculares de certos remédios no corpo humano.

Outra coisa: como a medicina como um todo está avançando a galope, as pessoas estão vivendo cada vez mais. Com a velhice, surgem problemas cognitivos típicos - como perda de memória e dificuldades de raciocínio. Por isso, a indústria farmacêutica está interessadíssima em criar remédios que possam prolongar ou restaurar a saúde do cérebro. Imagine o que acontecerá quando alguém inventar uma droga que faça pela mente o que o Viagra fez pelo sexo. Será uma revolução. E, quando ela acontecer, os jovens também vão querer experimentar o tal remédio e ver o que ele pode fazer.

Aliás, isso já está acontecendo. Quer um exemplo? Alzheimer. É uma doença degenerativa terrível, em que placas de uma substância chamada beta-amiloide começam a se formar no cérebro. O resultado é uma perda significativa da capacidade de gerar memórias. Conforme a doença progride, acaba desembocando na demência e, por fim, na morte. Diversas drogas estão sendo testadas na esperança de, pelo menos, reduzir o impacto da doença, ajudando a fortalecer os sistemas cerebrais ligados à memória. E as mais promissoras são as ampaquinas, que parecem reforçar as respostas dos neurônios a um neurotransmissor chamado glutamato (antes que você pergunte: não, não é o mesmo glutamato do tempero Aji-No-Moto e dos pratos da culinária chinesa). Ainda não existem testes suficientes para provar que as ampaquinas efetivamente melhoram o funcionamento do cérebro. Mas parece que sim - e já tem gente a fim de testar essa classe de drogas também em pessoas saudáveis, para ver se elas adquirem supermemória.

Outras drogas da inteligência já foram testadas em humanos - e até já estão no mercado. Como o donepezil, que também foi desenvolvido para tratar Alzheimer. Num estudo feito com pilotos de avião, ela realmente demonstrou efeito sobre a memória. Dois grupos de voluntários foram testados. E os que haviam tomado donepezil tiveram mais facilidade para se lembrar, um mês depois, de informações que haviam recebido sob o efeito da droga.

Os cientistas estão descobrindo que substâncias mais antigas também podem ter efeitos positivos sobre a inteligência. Como uma droga chamada piracetam, que manipula, de um modo ainda não totalmente compreendido, os neurotransmissores cerebrais - entre eles, possivelmente, o glutamato. O piracetam é bem conhecido dos médicos, e considerado bastante seguro. Tanto é que, em alguns países, ele nem é comercializado como remédio, e sim como suplemento alimentar (no Brasil, só pode ser comprado com prescrição médica). Seus usuários dizem que ele ajuda a "lubrificar" o cérebro, estimulando a microcirculação de sangue dentro do órgão.

Às vezes, a contribuição pode vir de onde menos se espera. Olha só esta: um antialérgico chamado dimebolina, que foi criado por cientistas russos para combater a chamada febre do feno (um tipo de rinite alérgica), parece ser um aprimorador mental excepcional. Estudos preliminares sugerem que ele melhora o desempenho de voluntários em testes cognitivos, além de deixá-los mais despertos e atentos. Drogas como essa são chamadas de anti-histamínicas, porque inibem a ação das histaminas - substâncias que controlam a resposta do sistema imunológico (daí sua relação com a alergia) e também atuam como neurotransmissores. No cérebro, existem vários tipos de receptor de histamina. Dependendo de qual deles é influenciado pela droga, efeitos diferentes podem acontecer. É por isso que muitos antialérgicos, principalmente os mais antigos, causavam sonolência. Já as drogas mais modernas, que exploram apenas um determinado tipo de receptor de histamina, podem acabar tendo o efeito oposto, melhorando o grau de atenção e disposição do indivíduo - e até deixando-o um pouco mais inteligente.

Todos esses remédios foram criados com outros fins. Mas já existem drogas sendo desenvolvidas especificamente com o objetivo de turbinar o cérebro de pessoas saudáveis. Essas pesquisas ainda estão muito no começo, e algumas companhias farmacêuticas que foram fundadas para focar exclusivamente esse mercado estão tendo dificuldades em se manter. A que parece mais adiante é a americana Helicon, que tem por missão produzir medicamentos voltados para melhorar a memória de pessoas saudáveis. Até agora, nenhum dos compostos testados pela companhia atingiu uma fase de testes clínicos avançados, com grande número de pessoas, em humanos. Mas por que tanta dificuldade? Porque hoje em dia o principal jeito de desenvolver novas drogas é testá-las em seres vivos (primeiro animais, depois pessoas). Só que é muito mais fácil conseguir aprovação para testes de uma droga que vai mexer com o cérebro se ela estiver voltada para pessoas doentes do que tentar fazer esse mesmo teste num monte de gente saudável. Ainda assim, como mostra o hit modafinil, existe uma demanda por remédios que melhorem o cérebro. E, mesmo que em passo de tartaruga, as pesquisas da Helicon certamente darão frutos nos próximos anos. O doping intelectual chegou para ficar. E vai mudar o mundo.


EFEITOS COLATERAIS MORAIS
"É óbvio, já começaram a surgir discussões éticas sobre isso", conta Alysson Muotri, biólogo molecular brasileiro que trabalha na Universidade da Califórnia. Ele trabalha especificamente com o fenômeno da neurogênese - a produção de novos neurônios no cérebro, um dos caminhos pelos quais as pílulas da inteligência podem melhorar a performance cerebral das pessoas. Para Muotri, não há nenhum problema em desenvolver e testar as drogas da inteligência. "Se um cientista achar que usar esses medicamentos melhora seu desempenho, não vejo nada contra (ele tomar o remédio). Afinal, a meta é fazer descobertas que beneficiem a humanidade." Mas outra coisa, bem diferente, é permitir que a indústria farmacêutica promova livremente essas pílulas.

Por uma razão simples: os efeitos colaterais. Os estimulantes mais usados hoje, como o Ritalin e as anfetaminas, já têm efeitos colaterais bastante conhecidos - e graves. Os riscos vão desde problemas cardíacos a alucinações, sem falar na grande possibilidade de o usuário se viciar. Mas mesmo as drogas mais recentes, embora aparentemente menos perigosas, não são livres de riscos. O modafinil, por exemplo, que foi apresentado como uma droga praticamente livre de efeitos colaterais, teve problemas com o governo dos EUA em 2006, quando o fabricante tentou liberar seu uso em crianças, para tratar casos de distúrbio de déficit de atenção. Descobriu-se que, em alguns poucos casos, o modafinil pode causar irritações extremamente agressivas na pele. Não é uma coceirinha. É uma doença chamada Síndrome de Stevens-Johnson, que pode exigir internação hospitalar e levar à morte. O governo dos EUA considerou esse risco alto demais, e não liberou o modafinil para crianças.

E a verdade é que ninguém sabe quais são os efeitos de longo prazo dessa e das outras drogas. No curto prazo, elas de fato parecem dar alguma vantagem a seus usuários. Mas o que acontece depois de 10, 15 anos de uso? Nenhum estudo chegou a atingir essa maturidade, de forma que as respostas ainda estão por vir - ao mesmo tempo em que milhares de pessoas conduzem o mesmo teste, sem controle algum, em seus próprios cérebros. Mas as primeiras pesquisas com animais estão revelando resultados preocupantes.

Alguns dos remédios parecem aumentar a neurogênese, ou seja, aceleram o crescimento de neurônios no cérebro. Só que isso não é necessariamente bom. "Existem algumas situações de neurogênese que são ruins. A epilepsia, por exemplo, aumenta a neurogênese. Mas os novos neurônios formam conexões defeituosas. Ou seja: o nascimento deles mais atrapalha do que ajuda", afirma Muotri.

A diminuição do sono, que é um efeito comum dos estimulantes (principalmente se tomados à noite), pode ajudar a virar noites rachando de estudar ou terminando trabalhos importantíssimos. Mas estudos feitos em ratos apontam que a privação do sono causa danos ao hipocampo, parte do cérebro que - entre outras coisas- coordena o funcionamento da memória. E isso acontece rápido: 3 dias seguidos sem dormir já são o suficiente para produzir alterações estruturais no cérebro. E, quando falamos de longo prazo, as coisas ficam ainda mais arriscadas. O uso contínuo de estimulantes pode alterar a estrutura e o funcionamento do cérebro, de forma a causar depressão, aumentar a ansiedade e, pasme, deixar a pessoa mais burra.

Pois é. Ao tentar criar uma geração superinteligente de humanos, corremos o risco de terminar com 6 bilhões de toupeiras. Mas, mesmo que todos esses temores se mostrem infundados, ainda restará a preocupação social. E ela talvez seja a pior de todas. Imagine o seguinte cenário. Os avanços da ciência levam à criação de uma droga que aumenta a inteligência e não apresenta nenhum risco ou efeito colateral, seja de curto ou de longo prazo. É a pílula perfeita. Mas, como todas as invenções da indústria farmacêutica, custa caro. Como ficam as pessoas que não têm dinheiro para comprar a droga, ou simplesmente não querem tomá-la? Como promover uma disputa justa, no vestibular ou em uma entrevista de emprego, entre pessoas que tomam e não tomam pílulas para o cérebro? A busca pela elevação da inteligência humana pode acabar criando duas classes de gente, o que traria todo tipo de problemas sociais e aumentaria a desigualdade entre as pessoas.

Ou, pelo contrário, poderia reduzi-la. Um estudo feito no King’s College, em Londres, descobriu que o modafinil funciona de maneiras diferentes em pessoas diferentes. "Nossos resultados indicam que o QI alto pode limitar a detecção dos efeitos positivos da droga", afirma Delia C. Randall, autora da pesquisa. Traduzindo: ele faz mais efeito nas pessoas menos inteligentes. Por isso, as pílulas da inteligência poderiam aproximar os menos favorecidos intelectualmente da média da população. E, em vez de criar um abismo social, ajudar a reduzir a desigualdade. Aconteça o que acontecer, uma coisa é certa. Todas as drogas da inteligência, tanto as que já existem quanto aquelas ainda em desenvolvimento, têm uma característica em comum: elas simplesmente intensificam o funcionamento do cérebro, ou seja, dão um pouco mais de potência para que ele faça o que já sabe. Os remédios não conferem novas habilidades à mente.
E, ao deixar as pessoas mais concentradas no que precisam fazer, fatalmente reduzem o tempo que elas passam de bobeira, devaneando, com a cabeça ociosa e aberta para ideias aparentemente irrelevantes - os elementos que, todos os especialistas concordam, estão na raiz da criatividade humana. Será que o mundo realmente precisa de alguma coisa que faça as pessoas se fechar em si mesmas para trabalhar ainda mais?

Eu tomei a droga da inteligência
Tenho 30 anos, levo uma vida saudável e me considero bem normal. Por isso, decidi fazer uma experiência arriscada - passar uma semana, no mês de setembro, tomando modafinil. Veja no que deu.
por Bruno Garattoni

23 - Quarta-feira
Onze da manhã. Faz duas horas que tomei o comprimido. A droga está começando a bater. Não dá nenhum barato nem alteração de humor. Mas algo estranho acontece na minha cabeça. Ela fica silenciosa... e percebo que, pela primeira vez na vida, não estou pensando em absolutamente nada. Zero. Parece que o meu cérebro apagou. Chega a dar medo. Alguns instantes depois, tento pensar em alguma coisa - e consigo. Ufa... A diferença é que, quando começo algum raciocínio, ele preenche completamente a minha consciência - não existe sensação, inspiração, lembrança nem coisa capaz de me distrair. É um estado de superconcentração. Bem impressionante. Tão impressionante que perco o dia todo refletindo a respeito, e acabo não produzindo quase nada. Vou para casa, jogo videogame (um passatempo nada intelectual), deito à 1 da manhã. Não tenho nenhum sono, mas durmo sem a menor dificuldade. Estranho.

24 - Quinta-feira
Tive uma noite meio agitada: acordei 3 vezes. Mas levanto bemdisposto e cheio de energia pra fazer qualquer coisa - inclusive enrolar no trabalho. (Ainda não inventaram uma droga capaz de curar a vagabundagem.) Quando finalmente começo a trabalhar, sinto diferença. Meu trabalho não ficou mais fácil. Mas ficou menos cansativo - muito menos. Será que é um efeito psicológico, causado não pela droga, mas pela expectativa que tenho dela? Talvez. Mas é fato que o modafinil está agindo no meu corpo. Tanto que eu, que sempre fico sonolento depois do almoço, só dou meu primeiro bocejo à noite. Também ganhei uma espinha bem feia, daquelas que não tinha desde a adolescencência. É um efeito colateral típico.

25 - Sexta-feira
Acordo com um pouco de sono. E cadê aquele foco dos outros dias? Será que a droga está perdendo o efeito? Assim que termino de pensar isso, ela bate com tudo - e meu cérebro entra no modo superconcentrado. O problema é que ele superconcentra na primeira informação que aparece: um email dos meus amigos, que estão combinando de sair para tomar umas cervejas hoje à noite. Quero ir, mas é melhor não (não existem estudos sobre os efeitos da mistura modafinilálcool). Fico frustrado e resolvo tomar um cafezinho. Pra quê... meia hora depois, fico extremamente irritado (sem nenhum motivo). E a parte superior esquerda da minha cabeça começa a formigar! Cruzcredo.

26 - Sábado
Uma droga que aumenta a inteligência não serve só pra trabalhar, certo? Teoricamente, ela serve para qualquer coisa que envolva inteligência - inclusive as divertidas. Decido pegar para ler um livro meio cabeçudo, que há tempos estou querendo começar. A leitura flui depressa, mais do que seria normal. Mas isso não elimina o fato de que o livro é chato. Logo desisto.

27 - Domingo
Domingo é dia de descanso. Resolvo não tomar a droga e aproveitar pra cair em prazeres mundanos. Saio, como, bebo e converso a valer, e vou dormir bem tarde.

28 - Segunda-feira
Acho que exagerei na minha folga. Acordo cansado, lesado, com a cabeça patinando... Bem segunda-feira. E bem que a tal pílula da inteligência podia me ajudar agora. E ajuda. Duas horas depois de tomar o comprimido, estou 100%. Na verdade, mais que isso. Parece que faço o trabalho de 4 dias em apenas 1. Não estou mais inteligente. Mas estou mais funcional.

29 - Terça-feira
Hoje é dia de fazer meu segundo teste de QI. Não contei para vocês, mas antes de começar esta experiência meu QI foi avaliado, numa prova com dezenas de testes, por uma neurologista. E hoje, sob o efeito do modafinil, vou refazer a avaliação. É uma sequência de tarefas mentais bem exigentes, que leva duas horas. Em alguns testes, que avaliam e forçam a atenção de maneira mecânica (encontrar certas figuras numa lista, por exemplo), sinto que estou arrebentando. Outros testes, como os de memória e raciocínio verbal, ficam mais difíceis.

30 - Quarta-feira
Hoje é o último dia da experiência. Mas decido jogar fora o último comprimido e parar por aqui. Sim, o modafinil me deixou mais focado. E me ajudou a pensar mais. Mas o estado de superconcentração não é natural - eu senti, o tempo todo, minha mente sendo modificada à força pela droga. É bem ruim. Recebo um email da neurologista, com o resultado dos testes e duas surpresas. Primeira: sob o efeito do modafinil, meu QI abaixou 8 pontos. Segunda: tecnicamente, sou superdotado - sem tomar o remédio, meu QI é 150 (a média da população é 100). Acho que é o suficiente, né? Aê!


Um arsenal de bombas
Testes clínicos estão revelando que várias substâncias (entre elas algumas á muito conhecidas) produzem efeitos positivos sobre o funcionamento do cérebro. Mas cada uma delas tem seus próprios riscos.

ADDERALL (MIX DE ANFETAMINAS)
Uso original: tratar déficit de atenção (DDA).
Efeitos colaterais: problemas cardíacos, vício.

ANIRACETAM
Uso original: tratar Alzheimer.
Efeitos colaterais: ansiedade, insônia.

DONEPEZIL
Uso original: tratar Alzheimer.
Efeitos colaterais: náuseas, diarreia.

FLUOXETINA (PROZAC)
Uso original: tratar depressão.
Efeitos colaterais: ansiedade, suicídio.

METIlFENIDATO (RITALIN)
Uso original: tratar DDA.
Efeitos colaterais: convulsões, psicose.

MODAFINIL
Uso original: tratar narcolepsia.
Efeitos colaterais: doenças de pele.

PIRACETAM
Uso original: tratar convulsões.
Efeitos colaterais: ansiedade, tremores.

SELEGILINA
Uso original: tratar Parkinson.
Efeitos colaterais: dor de cabeça, diarreia.

VAPRESSINA
Uso original: tratar diabetes.
Efeitos colaterais: náuseas, coma.


Para saber mais

In Search of Memory: The Emergence of a New Science of Mind
Eric R. Kandel, W.W. Norton & Company, 2007.

Sexo, Drogas, Rock’n’Roll... & Chocolate
Suzana Herculano-Houzel, Vieira & Lent, 2003.
FONTE:
http://super.abril.com.br/ciencia/a-pilula-da-inteligencia